sexta-feira

Este inferno de amar

Este inferno de amar - como eu amo!-
Quem mo pôs n'alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói-
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei.

Almeida Garrett

terça-feira

Hoje

Não te esqueças de mim!



Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue;outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer.






Clarice Lispector




Obrigada Lena por me ajudar a alimentar este blog. Beijo

sexta-feira

No amor...




depois dequele dia:


Jurei não mais abrir-te a porta!


Roguei-te mil pragas!


Arrumei os teus livros e cd's num caixote (para não mais os ver)!


Mandei-te a mala da roupa pela tua irmã!


Rasguei as nossas fotos do último Verão!




e agora ... enrroscada em ti, no "nosso" sofá, troco juras de amor eterno ...




Luz

segunda-feira

Mais um ano de A&L, lda

Há 8 anos, ela disse-lhe que sim. Num fim de tarde chuvoso, ele respondeu-lhe que sim. Não trocaram alianças, ela não se vestiu de branco, ele não pôs gravata, (cada um deles já tinha cumprido anteriormente, com outros, esses chatos rituais sociais) apenas formalizaram o contrato, porque o que os uniria para a vida estava hà 4 meses dentro dela: o primeiro filho de ambos. Em noite de bruxas, certamente por elas abençoados, celebraram a sua união à beira mar com aqueles de quem gostavam e não com os que mandavam as convenções. Ainda hoje são assim: diferentes mas seguros, litigantes mas confiantes, discordantes mas inseparáveis, exactamente porque sabem que a sua relação assenta na profunda paixão pela liberdade. Ficar ou partir é sempre uma escolha, com custos é certo, e porque ambos já lhes conhecem os percursos, a escolha ainda continua a ser ficar.

domingo

João



João,
Cheirava tão bem quando entrei na tua casa!
Já tinhas adiantado o jantar… agarraste-me na mão e levaste-me para a tua cama…
Amo amar-te. E amo o teu jeito de amar… de agires o amor em pequenos gestos, quando picas os cogumelos e mos dás na boca, quando partilhamos o mesmo copo de vinho, quando preparas uma sobremesa e encostas 2 colherezinhas à taça.
Mas sobretudo quando me encolho num abraço teu. Sempre é tempo em kairos quando estamos juntos.
Se te amo? Acho que sim, meu amor.

Lena


Nota: Lena já tinha saudades dos seus contributos para este blog. XB

segunda-feira

Felicidade... sempre!




Com um copo de vinho nas mãos, desfolho o velho álbum de fotos e interiormente amaldiçoo as máquinas digitais que nos permitem fotografar tudo e nunca mais ver nada. Antigamente a foto era rara mas existia, hoje a foto é comum mas é guardada numa memória digital onde se perde no tempo e no espaço.

Mas este álbum, que me pesa no colo, é o do meu primeiro casamento. Igreja, vestido branco, véu, família enfarpelada, noivo de laço, bolo de quatro andares. Retratos da perfeita piroseira do final dos anos 80, tão decadente e triste como aquela relação frágil que aos 20 e poucos anos achámos eterna.

Encontro, depois de muito procurar, algumas impressões de má qualidade, de 12 fotos por página A4, do meu segundo casamento. Registo civil, roupa informal, mais amigos que família, um bolo belíssimo, rasteiro, e muito, muito champanhe (do bom!). Este foi o meu casamento dos anos 90, um casamento inesperado, numa relação loucamente borbulhante e fresca como o Ruinart que sempre a regou. Ter trinta anos foi fabuloso e viver loucamente também.

Do terceiro, não há imagens impressas, as fotos estarão guardadas num disco rígido qualquer. Esse foi no Verão, os pés descalços na areia da praia, só nós dois, o branco das nossas roupas, as juras de amor e a eterna confiança no nosso desejo. Saboreamos-nos devagar, como o aproximar dos quarenta nos diziam que devia ser. E foi.

Levanto-me para encher de novo o copo, e brindar a mim (e ao dia de amanhã), no meu reflexo no espelho do aparador. Lembro-me de ligar ao P., para lhe pedir um fotógrafo a sério amanhã, porque quero um álbum de casamento para recordar. Ele promete-me que assim será, embora não reconheça a pertinência da questão, “para quê querer recordar um casamento que vai ser vivido todos os dias”, diz-me ele, com a convicção de quem nos seus 50 confia plenamente no amor. Não lhe respondo, mas insisto no pedido. Só eu sei como é difícil encontrar a felicidade todos os dias, e afinal ainda estou a meio dos 40 e há muito mundo para andar...




Pilar

terça-feira

Quero...

Quero um homem que toque minha alma,
que entre pelos meus olhos e invada meus sonhos.
Quero que me possua inteira, corpo e alma,
fazendo dos meus desejos breves segundos de êxtase
o prazer do encontro total.


Quero sentir seus braços longos envolvendo meu abraço,
seus lábios mudos calando o meu silêncio sem precisar nada dizer...
apenas me olhando com olhos negros e úmidos e me tomando devagar,

como o mar avança na praia,

como eu sei que tem que ser e sei que um dia será.



Cláudia Marczak


(Obrigada Helena, por mais este contributo de/com amor)

Sonhar...ou poupar?

Tenho dito !



sexta-feira

Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia.

Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia.

Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia.

Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia.

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia.

E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria.

Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia.

Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia.

Meu amor, meu amor. Minha estrela da tarde.

Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.

Meu amor, meu amor.Eu não tenho a certeza.

Se tu és a alegria ou se és a tristeza.

Meu amor, meu amor.Eu não tenho a certeza.

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram.

Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram.

Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram.

E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram.

Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam.

Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram.

E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram.

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto.

É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto.

Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto.

Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto.

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!



Ary dos Santos

terça-feira

ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.




Manuel Bandeira

Entra!



Vem até à minha vida quando quiseres.
Sou capaz da espera infinita.

Mas quando vieres, por favor, vem para ficar.



Amália

sexta-feira

Amo

Oiço os gritos das gaivotas, neste tempo de fim de verão. Deito-me na relva, já fresca, embrulhada numa manta polar, enquanto espero por ti. Com os pés enfiados na terra a minha cabeça parte para o sul, onde o sol ainda aquece, as casas são mais brancas, o tempo é maior e onde eu te conheci. Para fugir a esta sonolência que me invade começo a fazer contas: procuro em mim a data em que te escolhi, em que te abracei e beijei e fomos um só. Descubro, surpreendida, que não a encontro, não sei. A nossa relação não tem um tempo, como não tem um espaço, como talvez nem seja uma relação…
O meu amor por ti não cabe numa casa, nem numa aliança, nem numa família.
O meu amor por ti acontece, em momentos, em gargalhadas, em cumplicidades, em livros, em poesia, em desvarios de erotismo.
O meu amor por ti só existe porque te espero quando quero, porque só te encontro quando te desejo, porque sou livre para marcar o tempo e o espaço que te dou de mim.
O meu amor por ti, só existe porque me amo o suficiente para nunca ter abdicado de ser livre.

Vem depressa, que te quero agora...

Madalena

Tu





Nos teus olhos leio frustração, na tua alma pressinto a amargura do amor que nunca tiveste, nos teus braços hirtos, incapazes de estreitar os ombros dela ou a minha cintura, vejo a solidão que te sufoca, na mão que leva o copo à boca observo a vontade de fugires de ti, nas palavras que vociferas, com ódio, sei que experimentas a expiação dos teus fantasmas, no sono pesado que se segue a mais um confronto teu connosco (as únicas que te poderíamos dar tudo o que não tens) contemplo a tua fragilidade quase infantil. Só que já não tenho vontade de velar o teu sono…








Rosa

quinta-feira

Saudade



Tanto, tanto que vou ter contigo! Até ja!

terça-feira

O Beijo




Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escaracéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (não é meu…)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar…

Alexandre O’Neill

quarta-feira

O convite



Não me interessa qual é o teu modo de vida. Quero saber o que anseias, e se ousas sonhar conhecer os desejos do teu coração.

Não me interessa que idade tens. Quero saber se arriscas procurar que nem um louco o amor, os sonhos, a aventura de estar vivo.

Não me interessa saber quais os planetas que estão em quadratura com a tua lua. Quero saber se tocaste o centro da tua própria dor, se estiveste aberto às traições da vida ou se encolheste e te fechaste com medo de outros sofrimentos! Quero saber se consegues sentar-te com a dor, a minha ou a tua, sem te mexeres para a esconder, disfarçar ou compor. Quero saber se consegues viver a alegria, a minha ou a tua; se consegues dançar com loucura e deixar que o êxtase te encha até às pontas dos pés e das mãos sem nos advertires para termos cuidado, sermos realistas, ou nos relembrares as limitações do ser humano.


Não me interessa se a história que contas é verdadeira. Quero saber se consegues desapontar o outro para seres verdadeiro contigo mesmo; se consegues suportar a traição e não atraiçoares a tua própria alma. Quero saber se consegues ser fiel e, por isso, digno de confiança. Quero saber se consegues ver beleza mesmo num dia não muito bonito, e se consegues alimentar a tua vida da presença de Deus. Quero saber se consegues viver com o erro, teu e meu, e mesmo assim ficar de pé à beira de um lago e gritar à Lua prateada, "Sim!".


Não me interessa onde vives nem quanto dinheiro tens. Quero saber se, depois de uma noite de dor e desespero, exausto, dorido até ao tutano, consegues levantar-te e ocupares-te das necessidades das crianças.

Não me interessa quem és, como chegaste aqui. Quero saber se permaneces no centro do fogo comigo sem te ires embora.


Não me interessa onde ou o quê ou com quem estudaste. Quero saber o que te sustém interiormente quando tudo o mais cai à tua volta.


Quero saber se consegues estar só contigo mesmo; e se verdadeiramente gostas da companhia que tens nos momentos vazios.





O CONVITE, de Oriah Mountain Dreamer, Maio, 1994


in INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL, QEs, Danah Zohar e Ian Marshall, Ed Sinais de Fogo

terça-feira

In[Felicidade]








Embalo-te docemente, mesmo depois de teres adormecido, só pelo prazer de sentir o teu corpo quentinho contra o meu.



Depois de te adorar, como a Madonna venerou o seu menino, deito-te no berço e corro a enfiar-me na cama e a enroscar-me no corpo de teu pai, que ressona baixinho, e que mesmo a dormir me abraça e me beija os cabelos.



Fecho os olhos à espera do sono que teima em não vir. [Como não veio ontem, nem anteontem, nem em todos os dias antes desse, desde a noite em que numa espécie de caneta branca surgiram dois riscos azuis paralelos e tu chegas-te à minha vida].



Depois de mais de uma hora à espera dos sonhos que não chegam, desisto. Saio de mansinho da cama, vou até ao teu quarto espiar o teu sono abençoado e refugio-me na sala, com a minha eterna manta e um livro qualquer.




O sofá recebe-me amavelmente. Já conhece, de cor, os mais secretos contornos do meu corpo tantas as noites que partilhámos nos últimos anos. Mas o livro não me ocupa a mente, de repente o peito quase explode de ansiedade, o coração cavalga que nem potro doido, o suor inunda-me o corpo. Respiro fundo, procuro acalmar-me, faço todas as manobras que o terapeuta me ensinou [e que já sei não irão resultar].



Lavada em lágrimas tacteio o armário dos medicamentos em busca dos comprimidos de emergência, tomo-os na cozinha, com água da torneira, mas com os olhos postos na garrafa de vinho que me apetecia abrir, para que o cocktail actuasse mais depressa e me levasse para outras paragens.



Resisto à vontade do álcool e volto ao sofá onde me enrosco, qual cadela de rua abandonada à sua sorte, e me embalo no meu próprio pranto surdo. Porque é que sou tão infeliz, quando tenho uma criança linda e saudável, um companheiro de vida, tudo aquilo de que preciso.



Parto para o interior mim, para [mais uma vez] descobrir aquilo que já sei, sou paradoxalmente amargurada porque vos tenho e vos amo, sou profundamente infeliz porque não posso ser quem sou, estou visceralmente triste porque contrariei o meu sentir, o meu caminho, a minha essência: a da liberdade. Só livre, sem laços, sem amarras, sem compromissos, poderia ser eu, plena, completa, inteira, feliz.

Sofia

segunda-feira

Procuro-te

Vinte anos depois procuro-te.

Faço correr incessantemente o teu nome em motores de busca, em redes sociais, sigo pistas, passo de umas páginas para as outras, volto atrás e experimento outros caminhos, outras ligações, nesta rede imensa onde cada vez somos menos anónimos.

Depois de horas de buscas encontro-te, fico a saber onde trabalhas, tenho os contactos telefónicos da empresa, se eu quiser estás à distância de nove dígitos…

Mas o que é que se diz a alguém a quem se abandonou numa esplanada, num dia de sol, para partir atrás de um sorriso que prometia o maior amor: Pede-se desculpa? Reconhece-se o erro? Assume-se a volubilidade inata? Explica-se a enorme capacidade de encantamento daquele sorriso estranho? Conto-te a história daquela paixão? Explico-te as razões do profundo desamor que me perseguiu durante todos estes anos? Digo-te que só nos teus braços, depois dos mil que nestes anos percorri, consegui o abandono maior de ser eu e exactamente por isso nunca os esqueci.


Marco o número com um aperto no peito. Peço para falar contigo, faço-me anunciar, dão-me música [Vivaldi] enquanto espero. Será que me vais atender?


Teresa

Silêncios



Nas noites de insónia inundam-me palavras para te dizer, com elas organizo discursos, escrevo tratados, preencho bibliotecas vazias. Mas, nas manhãs seguintes, quando enfrento o teu olhar desabitado, invade-me o vazio do silêncio e permaneço calada e obediente. Porquê?




Monica

quarta-feira

Não posso adiar...


Não posso adiar o amor para outro século

não posso

ainda que o grito sufoque na garganta

ainda que o ódio estale e crepite e arda

sob montanhas cinzentas

e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço

que é uma arma de dois gumes

amor e ódio

Não posso adiar

ainda que a noite pese séculos sobre as costas

e a aurora indecisa demore

não posso adiar para outro século a minha vida

nem o meu amor

nem o meu grito de libertação


Não posso adiar o coração.



António Ramos Rosa, "Viagem através de uma Nebulosa", 1960

segunda-feira

Cansaço


Deixo o telefone tocar.

Enrosco-me no sofá, nesta posição fetal onde encontro o consolo de tempos imemoriais. Afundo a cabeça no edredão à procura do gozo do branco vazio de cor e de sons. Permaneço quieta, consciente de que esta confortável inamovibilidade poderia durar eternamente.

Deixo a campainha da porta tocar.

Continuo sossegada e muda e de olhos fechados, a imitar uma cegueira que não tenho, embrulhada no ninho que construi e de onde juro que não vou permitir que me arranquem mais uma vez. Estou cansada. Quero dormir e sonhar que um dia fui feliz. E depois quero acordar e saber que não preciso de ser feliz outra vez, porque já lhe senti o sabor, o cheiro, o toque. E quem já experimentou plena e completamente a felicidade sabe que essa é uma experiência absolutamente irrepetível, única por tão perfeita.

Percebo a chave rodar na porta.

Oiço os sons abafados dos teus passos adultos e os saltaricos, quase pulinhos, dos miúdos que se aproximam, cada vez mais, do meu casulo. Rezo para que o tempo pare neste momento e me deixe repousar mais uns instantes.

Mas não pára, e já sinto o vosso cheiro, e vejo as vossas caras redondas, e pressinto os vossos braços e beijos e guinchos e gargalhadas.


Acabou o meu tempo mágico.

E tenho de voltar a ser [outra vez] eu.

É TÃO NATURAL...


É tão natural
que eu te possua
é tão natural que tu me tenhas,
que eu não me compreendo
um tempo houvesse
em que eu não te possuísse
ou possa haver um outro
em que eu não te tomaria.
Venhas como venhas,
é tão natural que a vida
em nossos corpos se conflua,
que eu já não me consinto
que de mim tu te abstenhas
ou que meu corpo te recuse
venhas quando venhas.
E de ser tão natural
que eu me extasie
ao contemplar-te,
e de ser tão natural
que eu te possua,
em mim já não há como extasiar-me
tanto a minha forma
se integrou na forma tua.

Affonso Romano de SantAnna

(Obrigada Helena, por mais este contributo de/com amor)

sexta-feira

Amar...


... nunca pode ser pecado. Pois não?

quinta-feira

Auto-amar-se, no limite.


Alice esperou 38 anos para matar o marido
por Sílvia Caneco, Publicado em 10 de Março de 2011, Jornal i

Aos 71 anos ficou viúva pelas próprias mãos: agarrou num tubo de ferro e matou José. Foi condenada a 14 anos, cumpriu seis. A história da luta entre a mulher e o corpo que o marido marcou com nódoas negras

...Alice tem 32 anos, vive em casa dos pais e quer mais é esquecer o primeiro marido e não voltar a pensar em casamento. Casou aos 18, a acreditar que seria para a vida. Foi um inferno: ele bebia, não trabalhava, jogava à batota pela noite dentro, perdia e ficava sem dinheiro. Nunca lhe bateu mas vendeu--lhe anéis, fios, pulseiras, propriedades. Um dia, aos 25, Alice desistiu: ele foi para casa dos pais dele, ela para casa dos pais dela, cheia de vergonha de regressar, adulta e falhada.

Assim se passaram sete anos, com Alice debaixo das saias dos pais a meter na cabeça que nascera sem sorte e que ali viveria para sempre, sem homem e sem chatices. Mas uns tios foram insistindo, dizendo aqui e ali como o José era um homem de boas famílias e agora também estava solteiro, depois de um primeiro casamento que falhara mas "não por culpa dele". Alice nem se lembra de aceitar. Não sorriram, não se amaram. Num dia nem era uma hipótese, no outro o casamento estava consumado. O amor era aquilo ou coisa nenhuma.

...Depois do casamento, bastaram alguns dias para adivinhar o calvário: José era, de facto, de boas famílias - seria difícil encontrar melhores sogros e cunhados -, mas não era um homem bom. "Era traçado, não de beber, que só bebia um copito de vinho à refeição. Era ruim, ruim das entranhas", conta Alice, com o mindinho torcido sobre os lábios, a retroceder dos 79 para os 32 anos.

Alice e José viviam num anexo da casa da família dele. As tareias e as ofensas eram tão violentas que nunca foram segredo para quem vivia mesmo ali ao lado. O pai tentava impedi-lo, dizendo-lhe que as mulheres são para ser respeitadas e que Alice "era do melhor" que ele podia encontrar. A mãe, descobriu Alice anos mais tarde quando encontrou José a atirá-la para fora de uma bacia, era outra vítima. "Pega-lhe se quiseres, que eu não quero saber dela para nada", resmungava José, que rejeitava a mãe inválida com a mesma indiferença com que, por nada, rejeitava a mulher. Quando o pai de José morreu, as tareias tornaram-se quase diárias. Num dia José ameaçava atirar a cara de Alice para dentro de uma cisterna de água, noutro atirava-lhe "uma forquilha de enjeitada", noutro dava-lhe murros na cabeça porque ela gastara 3 euros na compra de um quilo de sardinhas ou tinha dado dinheiro à neta para ir comprar cebolas. Batia-lhe com as mãos, com paus, com as canadianas, com o que tivesse à mão. "Quando não batia passava a vida a judiar--me", recorda Alice, segurando as palavras com os lábios, fazendo força com os incisivos. José desprezava os pequenos-almoços, atirava louça e comida para fora da mesa ao almoço e ao jantar e enquanto fazia as suas mãos caírem sobre Alice chamava-lhe galdéria, puta, vadia, ordinária.

Ela andava de cara negra, mas escondia, esfregava as feridas com álcool. Um dia, depois de ser operada a uma mão, e antes de se deslocar ao hospital para mudar o penso, nem com álcool resultou: a solução foi encobrir as nódoas negras com pó de arroz. Transformou--se na técnica de camuflagem preferida: Alice tratava da própria caracterização. Acordava religiosamente às quatro da manhã, todos os dias, e ia para o palheiro. Ele ficava na cama, mas às sete não admitia que ela não tivesse limpado o estrume, ordenhado 32 vacas e não viesse já com um pote de leite em cada mão, pronta para tratar do pequeno-almoço e seguir para as oliveiras. Ela não parava e ele trabalhava tão pouco que, naquela aldeia de Matas, 40 habitantes e a seis quilómetros de Santarém, era conhecido como "o calão que moía a mulher com pancada".

O crime São seis da manhã do dia 2 de Agosto de 2002, sexta-feira, e, enquanto José sangra no chão da cozinha, Alice grita pelas vizinhas. Conta que apareceram dois homens, de "cara tapada com capacetes" e vestidos com "uma farda castanha", e que bateram em José até à morte para se vingarem de aventuras amorosas que ele levava em Santarém. Durante o fim-de-semana, em casa do filho, ao lado da nora e da neta, Alice anda nervosa mas mantém a versão dos factos que contou às vizinhas e à polícia. "Não conseguia contar, morria de vergonha", lembra Alice, com as unhas unidas em cacho, na cozinha de móveis melancólicos da casa do filho, onde agora vive, numa localidade vizinha de Matas.

No dia 6 de Agosto, os inspectores batem à porta de casa e pedem a Alice que conte a verdade. Não precisaram de dizer que tinham encontrado as suas roupas ensanguentadas, com sangue de José. Alice desatou a chorar, deitou a cabeça no ombro do inspector e durante minutos só conseguiu repetir: "Não aguentei mais." Era a sua confissão. Alice nunca soube distinguir se era homicida ou mártir.

António Teixeira, ex-inspector da PJ, nunca esqueceu a história de Alice. Usa--a até hoje como exemplo de que "homicidas somos todos nós, num momento de desvario e de desespero", e repete a história com a pena de quem teve de prender alguém que matou mas o fez porque foi vítima. "Porque depois de anos a ser agredida houve um dia que não aguentou mais." O ex-inspector tentou ajudar Alice. Almoçaram juntos e aconselhou-a a contar toda a história das agressões perante o juiz, naquela tarde, no Tribunal de Santarém. Alice fez tudo ao contrário. Estava tão nervosa que só continuava a repetir: "Perdoe-me, não queria matá-lo, mas não aguentei mais." Não contou das tareias e das ofensas ao longo de 38 anos, não contou que José ameaçava matá-la se ela fizesse queixa, não contou sequer que nesse dia José agarrou numa faca para lhe cortar o pescoço. Nesse mesmo dia, António Teixeira e outros inspectores levaram Alice para o Estabelecimento Prisional de Tires. Era, na altura, uma das mulheres mais velhas presas no país. Dias depois, a 19 de Agosto, a tia Alice, como ficou conhecida na cadeia, recebe um bolo na prisão, mas não conta a ninguém que faz 72 anos.

A mentira contada após o homicídio e a omissão das agressões no primeiro depoimento no tribunal foram fatais. Alice foi condenada a 14 anos de prisão. Recorreu e conseguiu dez. Pelo meio recebeu um indulto presidencial de um ano do Presidente Jorge Sampaio. Seis anos de prisão depois, no dia 6 de Agosto de 2008, entrou no carro do filho e não olhou mais para Tires.

...Alice tem 71 anos e um imenso cansaço. Na noite de 1 para 2 de Agosto de 2002 nem se lembra de dormir. Não por culpa da noite abafada naquela localidade de Santarém onde o Verão quando chega queima árvores, terra, rugas e o próprio ar. Anda às voltas na cama tão cansada como se ainda andasse de cócoras, no chão, a apanhar os bocados de jantar rejeitados pelo marido. Como sempre, durante 38 anos, é a primeira a levantar-se, ainda de madrugada, e o marido fica na cama. A ronha, nessa manhã, nem durou muito. Não tardou que José, três anos mais novo, se dirigisse à casa de banho e gritasse da sanita: "Ó Maria, anda cá limpar-me o rabo."

Ela, como em tantos outros dias, foi, enrolou o papel higiénico à volta da mão e limpou-lhe o rabo. Preparava-se para fazer o pequeno-almoço quando José se antecipou e disse que tratava de si. "Ainda bem. Assim vou mais depressa para a fazenda cortar os arrebentões das oliveiras", respondeu Alice, já pronta para sair. José não consentiu aquela resposta. Agarrou numa faca da cozinha e Alice encolheu-se. Depois avançou para ela ameaçando que lhe iria cortar o pescoço. Alice soube que era ele ou ela. Procura um pau, mas não encontra. Sai do anexo e encontra um tubo - 81,3 centímetros de comprimento, 2,2 centímetros de diâmetro. E o diabo, como ela ainda hoje lhe chama, entra com ela na cozinha. O diabo eram aquelas nódoas negras na pele, o corpo calejado das tareias e das ameaças, os ecos de "limpa-me o rabo", "vou matar-te", "sua puta, galdéria, ordinária". Alice puxa a mão para trás das costas e atinge José na cabeça, deitando-o ao chão. Volta a bater-lhe com o tubo na cabeça e no corpo. Uma, duas, não se lembra quantas vezes. José sangra e morre com uma fractura no crânio. Foi o momento em que a mulher perdeu o combate com uma barra de ferro.

Alice vive num anexo da casa da família do filho e não pára de repetir quanto adora filho, neta, mas desfaz-se de amores sobretudo pela nora, a mais dura da família. Anda apoiada num pau e faz força numa perna para poder mexer a outra. Os cães seguem-na do laranjal para casa, da casa para o laranjal. A aldeia que a entendeu no momento do crime agora esqueceu-a. Alice, 79 anos, nunca mais recebeu visitas dos antigos vizinhos de Matas desde que saiu da prisão. O filho, que sabe que o pai morreu às mãos da mãe, mas também o conhecia melhor que ninguém, nunca a julgou. Clara, filha do primeiro casamento de José, abriu um processo para pedir uma indemnização a Alice pelos danos causados com a morte do pai. Clara, até aos 11 anos, ia duas vezes por semana a casa do pai; daí até aos 18 ia só aos domingos para pedir a mesada; a partir daí só o viu três ou quatro vezes antes de ele morrer.

No quarto Alice tem duas imagens de Nossa Senhora de Fátima e um postal de Natal que trouxe de Tires. A prisão, afinal, "não é assim um sítio tão fechado como pensava", diz Alice, 79 anos, nenhum traço de infância no rosto. "E até tinha colegas em situações semelhantes", como a mulher "que cortou o marido às postas". A antiga casa de Alice já não existe e na nova não há fotografias de José. "Ele quer lá saber de fotografias. Ele é ruim, de ruindade mesmo. Deus nos livre de nos calhar um desses", remata. Fala no presente como se o passado ainda existisse nele. Alice é viúva mas José ainda mora naquela casa.

segunda-feira

sexta-feira

Sonhei hoje contigo

Acordei durante a noite de um sonho contigo... ia ter contigo ao Jardim Zoológico de Londres onde me aguardavas com os teus fllhos. Íamos divertir-nos a passar o dia lá os 4.
Quando estava a chegar à bilheteira, na entrada telefonei-te para saber onde já estavas lá dentro para ir ter contigo. Mas quando paro na bilheteira com o travão de mão, este não me obedece e o carro começa a descair! Foi nesta aflição de segurar o carro que acordei.
Tenho de pensar o que quer dizer.

Helena



psssttt: porque não consigo travar o que sinto por ti?
Obrigada Helena, pelo seu contributo para este blog.

terça-feira

Mensagem


Carrego no send ou não?

segunda-feira

sexta-feira

quarta-feira

S. Valentim


Quando me lambuzo de ti fico mais bonita.
Quando te trinco fico mais doce.
Basta olhar para ti para ficar mais feliz!
Sara

Amar também é ...determinação!

sexta-feira

Reservado o direito de admissão

É aqui dentro que me arranjo, que reflicto, que tomo as maiores decisões, e me descubro.
É aqui que sou absolutamente implacável comigo: na atenta observação de uma borbulha, de um cabelo branco, de uma ruga, de uma conchinha de celulite ou de mais um micro derrame na pele das pernas.
É só neste santuário que choro.
É aqui que uns dias descubro que nunca tenho nada para vestir e noutros crio a imagem perfeita do que sou ou do que quero transmitir aos outros.
É aqui que guardo o que fui [sim, ainda tenho os estafados All Stars do liceu] o que sou [lá estão os meus confortáveis Fly na prateleira do meio] e o quero ser (às vezes), [vivam os meus stilettos da prateleira de cima!].

Aqui dentro está toda a minha vida, desde as primeiras calças de ganga que me despiste, até à fita do cabelo [ainda suada] do parto do meu primeiro filho, até à tua lingerie preferida para aquelas noites especiais.

Estas gavetas contam histórias com colares, brincos, pulseiras, anéis, daqui e dali, a lembrarem uma viagem, um tempo, uma festa ou um delírio consumista.

No armário do fundo ainda guardo o meu primeiro vestido de noiva [o que nunca cheguei a vestir porque três horas antes de sair para a igreja descobri que não era ao lado dele que queria envelhecer], no cabide seguinte lá está um velho vestido de marinheira de uma peça de teatro amador em que participei, e logo depois o vestido comprido negro do baile de finalistas da faculdade.

Estes 8 m2 são eu: despida e vestida, arrumada e desordeira, criativa e desesperada, preguiçosa e frenética.

Este espaço é tão meu, que te peço: “nunca entres sem bater, ou melhor, nunca entres!”

terça-feira


É neste silêncio que nos estranho.
Sei que neste emudecimento eu te perco e tu me perdes.
Porque é que te defendes nessa indiferença vazia, onde o encolher de ombros, o cigarro e o copo de whisky te preenchem as noites.
Porque é que eu me sento em frente à televisão a viver as vidas dos outros e a tricotar camisolas para ninguém.
Onde é que nos desencontrámos?


Teresa

Crescer doi.


Não queria ter crescido.
Se permanecesse criança, certamente não te amava. Se não te amasse não tinha enlouquecido.
Susana

segunda-feira

quarta-feira

Nós




Ressonas baixinho. Eu não consigo dormir. Dou voltas e voltas na cama sem perceber a causa desta insónia que me atormenta.
Habituo os olhos ao escuro e reparo como os nossos sapatos ficam bem lado a lado.


Ana Maria

Vai


Sonhei contigo.
Ainda sonho contigo... Invades-me a alma, assolas-me as noites, ensombras-me as madrugadas.
Acordo exausta, perdida, suada, de olhos inchados pelas lágrimas que nunca consegui chorar pelas tuas constantes partidas.
Por favor, parte de vez...
Deixa-me redescobrir novos (a)braços. Dá-me paz !(sem a tua sombra )...
Dora