Deixo o telefone tocar.
Enrosco-me no sofá, nesta posição fetal onde encontro o consolo de tempos imemoriais. Afundo a cabeça no edredão à procura do gozo do branco vazio de cor e de sons. Permaneço quieta, consciente de que esta confortável inamovibilidade poderia durar eternamente.
Deixo a campainha da porta tocar.
Continuo sossegada e muda e de olhos fechados, a imitar uma cegueira que não tenho, embrulhada no ninho que construi e de onde juro que não vou permitir que me arranquem mais uma vez. Estou cansada. Quero dormir e sonhar que um dia fui feliz. E depois quero acordar e saber que não preciso de ser feliz outra vez, porque já lhe senti o sabor, o cheiro, o toque. E quem já experimentou plena e completamente a felicidade sabe que essa é uma experiência absolutamente irrepetível, única por tão perfeita.
Percebo a chave rodar na porta.
Oiço os sons abafados dos teus passos adultos e os saltaricos, quase pulinhos, dos miúdos que se aproximam, cada vez mais, do meu casulo. Rezo para que o tempo pare neste momento e me deixe repousar mais uns instantes.
Mas não pára, e já sinto o vosso cheiro, e vejo as vossas caras redondas, e pressinto os vossos braços e beijos e guinchos e gargalhadas.
Acabou o meu tempo mágico.
E tenho de voltar a ser [outra vez] eu.