segunda-feira

Procuro-te

Vinte anos depois procuro-te.

Faço correr incessantemente o teu nome em motores de busca, em redes sociais, sigo pistas, passo de umas páginas para as outras, volto atrás e experimento outros caminhos, outras ligações, nesta rede imensa onde cada vez somos menos anónimos.

Depois de horas de buscas encontro-te, fico a saber onde trabalhas, tenho os contactos telefónicos da empresa, se eu quiser estás à distância de nove dígitos…

Mas o que é que se diz a alguém a quem se abandonou numa esplanada, num dia de sol, para partir atrás de um sorriso que prometia o maior amor: Pede-se desculpa? Reconhece-se o erro? Assume-se a volubilidade inata? Explica-se a enorme capacidade de encantamento daquele sorriso estranho? Conto-te a história daquela paixão? Explico-te as razões do profundo desamor que me perseguiu durante todos estes anos? Digo-te que só nos teus braços, depois dos mil que nestes anos percorri, consegui o abandono maior de ser eu e exactamente por isso nunca os esqueci.


Marco o número com um aperto no peito. Peço para falar contigo, faço-me anunciar, dão-me música [Vivaldi] enquanto espero. Será que me vais atender?


Teresa

Silêncios



Nas noites de insónia inundam-me palavras para te dizer, com elas organizo discursos, escrevo tratados, preencho bibliotecas vazias. Mas, nas manhãs seguintes, quando enfrento o teu olhar desabitado, invade-me o vazio do silêncio e permaneço calada e obediente. Porquê?




Monica

quarta-feira

Não posso adiar...


Não posso adiar o amor para outro século

não posso

ainda que o grito sufoque na garganta

ainda que o ódio estale e crepite e arda

sob montanhas cinzentas

e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço

que é uma arma de dois gumes

amor e ódio

Não posso adiar

ainda que a noite pese séculos sobre as costas

e a aurora indecisa demore

não posso adiar para outro século a minha vida

nem o meu amor

nem o meu grito de libertação


Não posso adiar o coração.



António Ramos Rosa, "Viagem através de uma Nebulosa", 1960