segunda-feira

A morte de um amor

Meu amor,

Sinto frio. Um frio de dentro, daqueles que nos dão a exacta medida do quanto dói a solidão. Porque um outro, a existir, estaria necessariamente colado a mim, a aquecer-me.

Mas não, estou sozinha numa solidão que não sei bem se escolhi ou se me foi imposta por ti, e tenho frio.

Nunca aceitei a ideia de morte, mas agora, aqui, gelada, pressinto uma morte que não sei se serei capaz de viver. A morte do meu maior amor, do meu amor de adolescente, do meu mais belo amor.

Já não te amo. Mas ainda te quero, não de desejo, mas do velho hábito do teu corpo, para tentar descobrir se os hábitos valem mais do que as novas emoções.

Voltei a desejar, um corpo diferente, franzino e vadio, que me fez redescobrir múltiplas emoções, tão diferentes das que partilhei contigo ao longo de todos estes anos em que permanecemos adormecidos na segurança frouxa de um suposto amor feliz.

De repente, quase de um rompante, redescobri o meu corpo, a minha sensualidade, tornei-me mulher. E tu, na tua indiferença simpática, não reparaste, não sentiste, não percebeste que o fiz na procura cega de validar o nosso amor, mas ele já não existia.

Eu fui deixando de te amar devagarinho, mansamente, sem querer acreditar que o fazia, porque não gosto de desistir e porque acreditei que resistir era mais importante do que eu. Mas, acabei de descobrir que amar já não é viver à espera de nada e que ainda pode ser uma emoção intensa de desejo.

Tu, ao fim de todos estes anos és um pedaço de mim, mas para continuar a viver vou ter que capitular, vou ter que separar-te de mim, reconstruir o meu eu, crescer, qual mãe que pare um filho que se habituou a trazer dentro de si.
Meu grande, grande amor, se tu soubesses como dói a solidão.
Definitivamente, é difícil aceitar a morte da ilusão do maior amor: eu e tu, tu e eu, o nosso nós, a essência de um ser uno que criámos mas que nunca tivemos força suficiente para parir. A nossa união ficou para nós, não a expiámos ou sequer mostrámos ao mundo, o nosso amor não floriu e morreu de solidão.

Tenho frio, sofro a angústia do fim, na procura incessante do princípio da ruína, onde foi o ponto x em que tudo se transformou. Arrasto a culpa de uma fome que já não provoco em ti, que foi que eu fiz? Onde é que matei o futuro?

E agora redescoberta, desejada, pergunto-te meu antigo amor, fui mesmo eu e tu que o matámos, ou a morte é tão banal como a vida.
Ana