quinta-feira

Louva-a-deus

No telemóvel surge um número estranho. Atendo. És tu. Telefonas-me de uma cabine pública [é fascinante perceber que ainda existem cabines públicas?] com uma urgência na voz: “não me ligues mais para o telemóvel, nem para o emprego, não nos podemos ver nos próximos tempos, ela descobriu tudo, acho que contratou um detective.” Começo a rir, em gargalhadas que são cada vez mais intensas, já me dói o estômago. Do lado de lá, após o silêncio um piii contínuo martela-me o ouvido. Não sei se acabaram as moedas ou se desligaste porque te sentiste ofendido com o meu riso. Mas se me conheces sabes bem que o humor é a minha imagem de marca, que esta capacidade de me rir de mim, e consequentemente de nós, é o um dos meus sinais de inteligência.

Continuo a rir, os meus colegas de trabalho olham para mim. Apetece-me contar-lhes a história [porque tem mesmo graça] mas hesito, não vá o palhaço do fundo da sala achar que sou uma mulher fácil e começar a ser ainda mais insistente nos seus convites para o café.

Se lhes contasse teria de explicar que sou sempre eu que escolho, que insinuo, que rodeio, que seduzo, que devoro, que me lambuzo e que depois quando estou cansada, ao contrario da louva-a-deus, procuro um final feliz para cada uma das minhas histórias.


Assim, o fim torna-se tão estimulante quanto o início. Tenho que arquitectar um plano, executa-lo na perfeição de modo a que eles se convençam, em função das suas circunstâncias, que são eles que têm imperativamente que terminar a “nossa relação”. É fascinante preparar a armadilha, descobrir os contactos delas, conseguir que vão ficando progressivamente desconfiadas. Muitas vezes, torno-me amiga de amigas suas e insinuo que sei qualquer coisa [as redes sociais dão imenso jeito, é tão fácil ser amiga de uma amiga e combinar um almocinho e depois uma saída de solteiras e as conversas são como as cerejas e o mundo é tão pequeno].


Algumas são burras, confiam tanto nos seus homens que até dói [como se houvesse algum homem confiável!], aí tenho que ir mais longe e pedir ao meu irmão Vasco que brinque aos detectives [desde miúdo que é fan do Inspector Gadget e adora as histórias da mana mais velha], que os assuste, que os siga com o carro, que os fotografe. E eles ficam que nem coelhinhos encurralados, de olhos vermelhos e narizito arrebitado a cheirar o [suposto] perigo.


Este último palerma foi um desses, o Vasco entrou em cena e ele caiu que nem um patinho, até me ligou de uma cabine pública! [ esta ideia da cabine pública é delirante, o gajo acreditou a sério na perseguição do Vasco]. Pois não, lá se ia o património da senhora “esposa” que inclui o barquito onde no Verão fomos até ao Algarve.


Não era mau rapaz, aliás até tinha umas prestações muito eficazes, mas começou a ser meloso, muito sms, muita flor, muito telefonema e por fim o maldito : “amo-te”.


Porra, o amo-te é que mata tudo!


Cecília