terça-feira

A paixão

Vejo esse brilho nos teus olhos pela milionésima vez.
Durante o jantar juras que é esta a mulher da tua vida. Argumentas da ligação kármica, dos mapas astrológicos que se completam, das frases que começas e ela acaba, da tremura que te dá ao ouvir a sua voz, das peles que se fundem e confundem numa intimidade secular, de te sentires verdadeiramente amado pela primeira vez.
A tua aura emana a energia fulminante da paixão.
Mas (mais uma vez), desde o inicio que esperava o mas, afinal veio a meio do prato principal, pois todas as tuas histórias têm sempre o mas, ela é casada tem crianças pequenas, não está de todo livre, vive o seu casamento tranquilo (e tu certamente quebras-lhe esse tédio) e perguntas-me o que fazer.
Não te sinto disponível para qualquer racionalidade, não vale a pena jurar-te que todas as paixões são sempre assim, nem contar-te que repetes nos teus (des)amores incessantemente o mesmo padrão. Nos últimos anos já viveste o mesmo mais de uma mão cheia, e já igualmente todas foram impossíveis, e por isso choras-te, e sofres-te e ficas-te de rastos, e deprimido e infeliz…
E assim será daqui a uns tempos, e o meu ombro vai ficar com baba e ranho e tirar-te da cama para o mundo vai ser uma nova aventura…
Mas agora comes tranquilamente, com os gestos seguros de quem se sente amado.
Como não queres ouvir a verdade respondo-te: vive a tua paixão, vamos brindar ao hoje e a esse teu grande, grande amor e venham as sobremesas.

Simone