quinta-feira

Dos Livros

“Ela começa a afastar-se. Ao fim de alguns passos volta-se e vê que ele ainda ali está, curvando-se para ver se a base dos sapatos tem uma etiqueta com o preço. O gesto tem algo de inocente e irreverente ao mesmo tempo e ela lembra-se, sem querer, das razões porque ainda o ama. Lembra-se a que ponto se sentiu agradecida quando ele voltou a aparecer na sua vida. Quando o voltou a encontrar estava a começar a ter medo de voltar a ser como antes de ir para Paris: insensível, fechada nos seus livros, sozinha. Lembrava-se do pânico que sentia por todos os seus amigos estarem casados. Tinha até pensado em pôr um anúncio. Mas ele tinha-a aceitado, e tinha apagado o seu desgosto anterior. Ela achava que ele seria incapaz de a magoar como Graham tinha feito. Após anos de relações clandestinas, era refrescante ter um namoro transparente, com o apoio dos seus pais desde o início, com um futuro inevitável e sem dúvidas, com um casamento em que eles também estavam envolvidos. E no entanto, a familiaridade que em tempos a tinha aproximado dele começou a transformar-se em prisão. Apesar de ela saber que a culpa não é dele, não consegue evitar de o associar, por vezes, com um sentido de resignação, com a própria vida a que ela tinha resistido e tinha lutado com tanta força para deixar para trás. Ele não era a pessoa com quem ela tinha imaginado ficar; nunca tinha sido essa pessoa. Talvez por essas mesmas razões, nesses primeiros meses, ao estar com ele, ao se apaixonar por ele, ao fazer precisamente o que tinham esperado dela toda a vida, isso tinha um sabor proibido, altamente transgressor, como uma ruptura no seu desejo instintivo.”

In “O Bom Nome” de Jhumpa Lahiri
Dom Quixote, Pág. 301