Regressas em cada inverno, cobres-me, de beijos e presentes, e partes nos primeiros dias de cada novo ano. Nessas semanas, sou meiga, sou submissa, sou a “tua” mulher, a mãe dos teus filhos, mas sou incapaz de te amar. Cada vez que te olho, que me abraças, que me apertas, que me pões as mãos em cima, evoco a outra família que construíste na cidade onde vives todo o ano.
Imagino uma outra mulher, diferente de mim, a quem deste a mão, como me deste a mim, enquanto paríamos os teus filhos. Imagino-te com eles, em cabriolices e cavalitas, em jogos de cócegas e gargalhadas, que com os meus nunca tiveste, porque nunca estavas. Sei que os meus te adoram, idolatram mesmo, este pai “fantasma” que telefona todos os domingos à tarde e surge uma vez por ano carregado de presentes.
Não sei porque me minto, porque te minto, porque lhes minto, e não grito que sei que ela existe, que eles existem, que vocês existem, durante todo o ano. Não sei porque estou aqui. Não sei …
Não sei porque não te conto, a verdade…toda.
Não sei porque não te conto, que nenhum dos teus filhos é biologicamente teu… (nem os meus, nem os dela). Não sei porque não te conto o nosso pacto, essa nossa pequena vingança, que acordámos mutuamente no dia em que descobrimos que estávamos as duas na tua vida.
Nunca desprezes uma mulher, nem a sua capacidade de fazer justiça.
Irene