terça-feira

Insanidade


É amanhã. È já amanhã. Dói-me a cabeça, dói-me o corpo, dói-me a alma.
São 23.00h e falta apenas uma hora para amanhã. E depois faltam mais 16.00 horas, para a hora marcada.
Levanto-me da cama, que não desmanchei e vou respirar ar fresco para a janela, tento relaxar, olho a lua, as luzes dos carros que passam ao longe, procuro ouvir a noite, mas o pensamento que me atormenta não me abandona nem por um segundo:”Eu não quero, eu não quero, eu não posso e é já amanhã!”.
Volto-me, e olho para o vestido pendurado na porta do roupeiro. Tenho um vómito e corro para o quarto de banho, lavo a cara e sinto a maciez da pele que hoje estive a tratar todo o dia numa clínica de estética. Não tenho um pêlo a mais, as minhas unhas estão perfeitas, o meu corpo cheira a baunilha graças a tónicos, hidratantes e reafirmantes, o cabelo está lavado e brilhante, pronto para ser imaculadamente arranjado amanhã. Mas eu não quero. Eu não quero que amanhã seja amanhã, eu não quero vestir o vestido, eu não quero trocar juras e promessas que sei que nenhum de nós vai cumprir.
Telefono à minha irmã e digo-lhe “Guida eu não quero, amanhã não vou”. Ela desliga, pois sabe desde há muito que quando me dá esta determinação não vale a pena contra-argumentar. Certamente daqui a meia hora bate-me à porta. Espero 35 minutos e enquanto espero tento ler as revistas do jornal do fim-de-semana, por fim a campainha toca. Infelizmente não é só a Margarida que sobe, a mãe vem atrás de maxilares apertados e olhos estreitos, sinal do desespero que a invade, conheço-lhe a expressão de quando passava a hora de jantar e o pai não chegava. Sentam-se no sofá, a olhar para mim, esperam que fale, e eu lá começo a verbalizar a ladainha que me invade: “Eu não quero, eu não quero, eu amanhã não vou”. A mãe fica vermelha e abana a cabeça, a Guida, que agora reparo está parecidíssima com a mãe, tranquilamente explica-me que é normal o medo, a angústia, a aflição que sinto. Mas, que tudo passará e que o dia amanhã irá ser lindo e inesquecível e feliz e emocionante. Expludo (tal como elas temiam): “Vocês não percebem porra! O problema não é amanhã, é o resto da minha vida. Eu não quero ficar triste e amarga como vocês, sem espaço, sem vida, sem futuro”. A mãe levanta-se, dirige-se a mim, e em vez do estalo espectável, acaricia-me a face e diz baixinho: “mas a menina não precisa de ficar presa a vida toda, faz a festinha, faz a viagem, e depois logo vê… se não se entenderem, julga que o divórcio serve para quê?”
Fico boquiaberta a olhar para ela enquanto ela acrescenta:“e por favor não me faça essa desfeita, pois eu prometi à sua avó que Deus têm que só me separava do sacana do seu pai depois das meninas estarem casadas, e a menina já vai nos trinta, e eu não aguento mais o seu pai e olhe que até já falei com a advogado para avançar com os papéis na segunda-feira!”
Fico muda de espanto, olho para a Guida que permanece impávida e serena, certamente já sabia de tudo, se calhar até ajudou a mãe a encontrar o tal do advogado.
Olho de novo para a mãe e só consigo pensar que uma de nós três está insana. Mas qual?
Matilde

Dor

Tremem-me as mãos de ansiedade. Dói-me o peito. Só respiro porque faço o enorme esforço de pensar que tenho que respirar a cada segundo. Estou cega de pranto, as lágrimas são muitas mais do que as que cabem nos meus olhos.

Só vos peço que me deixem sossegada. Nestes momentos, não suporto que me toquem, não quero que me apazigúem, nem que me abracem, nem que se mostrem solidários. A raiva da dor é para ser vivida até ao limite, só assim poderá um dia abandonar-me.
Isabela