quarta-feira

Encontro

É na rua que te encontro. Sozinha. Perdida. Sem saber quem és, nem para onde queres ir. Tens uns olhos bonitos, mas assustados. Pressinto um corpo firme, por debaixo do casaco que te abriga. Suponho que tenhas 35, 38 anos. Nunca fui bom a adivinhar idades, muitos menos de mulheres, que parecem ter o segrego de enganar o tempo da vida. A tua boca é perfeita, embora os cantos descaiam, na antecipação do choro que te atormenta. A tua voz, que ouvi quando me respondeste sucessivamente não sei, é serena, ligeiramente rouca, talvez por alguns anos de tabaco, ou quem sabe por uma constipação que te maltrata. Quando peguei no teu braço, para te afastar da estrada onde quase te tinha atropelado, senti o calor morno do teu corpo. Estranhei não te teres retraído com medo de um desconhecido, antes te deixaste guiar serenamente, tendo por segundos os nossos ombros seguido unidos para um destino qualquer. Deixei-te no passeio, enquanto voltava ao carro para o encostar à beira da estrada. Por segundos, os faróis iluminaram-te de forma cinéfila. Linda. Tu num passeio vazio. Triste. Perdida. Infinitamente só. Voltei para te perguntar se ficavas bem, se precisavas de alguma coisa, se querias telefonar a alguém. Voltei porque não me conseguia ir embora.
Olhas-te para mim e sem me responder dirigiste-te para o meu carro e sentaste-te. Segui-te. Entrei no carro e perguntei-te para onde ir. Não sei, respondeste mais uma vez, com a tua voz rouca e serena. Liguei o carro e comecei a percorrer as principais artérias da cidade, contigo ao meu lado, como se fossemos mais um casal que regressa a casa no final de um dia de trabalho. Tu continuavas em silêncio, olhando em frente, como se fosses num caminho que conhecias de cor. Parei à porta de minha casa. Chegámos, disse-te. Saíste do carro e seguiste-me. Abri a porta da rua e entraste. Disseste boa noite à vizinha do 1º que se cruzou connosco nas escadas. Quando abri a porta de casa e te deixei passar, instintivamente ligaste a luz do corredor. Já na sala, despiste o casaco e olhaste para mim. Sorriste e enroscaste-te no sofá. Fiquei parado a olhar para ti. Nunca nenhuma mulher tinha ficado tão bem no meu velho sofá de xadrez. Nunca. Aliás, aquele sofá já não era meu, correspondia ao exacto contorno do teu corpo. Perguntei se tinhas fome. Abanaste a cabeça em negativa. Disseste para me sentar no teu sofá porque tínhamos que conversar. Sentei-me. Disseste-me, tens um problema. Eu fiquei calado a olhar para ti. Continuaste, não permitiste que o meu destino se cumprisse, por isso, agora eu passo a ser o teu destino. Sorri. È tudo perguntei. Assentiste com cabeça. É que isso eu já sabia, respondi. Levantei-me e fui fazer o jantar. Minutos depois estavas a meu lado.
Pedro